É fundamental que o indivíduo, no início de sua vida adulta, pare para refletir sobre suas crenças, comportamentos e convicções, ponderando sobre o que deve ser deixado para trás ou ser preservado e guardado para seu próprio bem e, idealmente, para o bem das futuras gerações. Um adulto deve fazer o possível para assegurar-se que suas escolhas, crenças e convicções são realmente suas, e não apenas ideias absorvidas por condicionamento ou determinação genética e consolidadas pelas armadilhas dos costumes, tradições ou em prol da suposta preservação de uma cultura.
O futebol, ou melhor, o ato de torcer para um determinado time de futebol, é umas dessas coisas que todo adulto deveria deixar pra trás, assim como deixou o Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa. Nada contra o esporte futebol, nem contra quem o pratica; Faz é bem para a saúde. No entanto, explicarei porque considero o fenômeno da crença e do fanatismo no universo esportivo uma grande babaquice.
A maneira mais comum de se adquirir uma crença é nascer em uma família ou sociedade na qual a mesma seja predominante. Se alguém nasce no Irã, provavelmente será Muçulmano; Se alguém nasce no Brasil, provavelmente será Cristão; Se alguém nasce em Minas Gerais, provavelmente será Cruzeirense ou Atleticano; Se alguém nasce no Rio de Janeiro, provavelmente será Flamenguista ou Vascaíno.
Por exemplo: Um individuo Brasileiro, Cristão e fanático por futebol pode estar razoavelmente certo de que tais características não são frutos de suas escolhas, ou seja, não são fruto do exercício da liberdade individual. ( Uma criança é batizada e vestida com uniformes de futebol antes mesmo de aprender a balbuciar as primeiras sílabas; é até aí que vai sua opção de escolha quanto a religião, futebol e mais um monte de coisas que até hoje consomem um tempo imenso na sua rotina de vida.) Se você pertence a este grupo, devo dizer que provavelmente você é apenas mais um escravo de escolhas alheias e dedica uma parcela considerável da sua vida vivendo uma vida que não é sua, pensando o pensamento dos outros e agindo de acordo.
Deixemos a religião de lado, no entanto, apesar do ato de torcer para um determinado deus ou para um determinado time fazer parte do mesmo fenômeno. Vamos conversar somente sobre o futebol por questão de objetividade.
Para você, que torce para um determinado time, pergunto: - Qual o motivo de você torcer para este time e não para o rival?
Não existe absolutamente nenhuma diferença substancial entre um time ou o outro, a não ser a "maquiagem" (o mascote, o hino, o nome, a marca e as cores da camiseta, ou seja, apenas diferenças superficiais). Não há nenhum diferencial ideológico ou verdadeiramente simbólico que poderia justificar a preferência por um time ou o outro; São todos iguais: Empresas do ramo esportivo que comercializam jogadores, administram equipes e que adoram o seu dinheiro.
A mente do torcedor vive da ilusão de que existe alguma diferença palpável que torne seu time mais nobre ou mais valoroso do que o adversário, mas a realidade é que times de futebol são símbolos vazios que não significam nada, o que é demonstrado empiricamente pela lealdade dos próprios jogadores, que só dura enquanto seus salários milionários são depositados pontualmente no fim mês e enquanto um outro time qualquer não oferecer um salário maior. Atualmente, os próprios emblemas dos times estão cada vez mais miniaturizados, espremidos e oprimidos por logotipos corporativos que demonstram em letras garrafais quem é que manda neste negócio.
Tudo isso é patético, quero dizer, todo negócio que explora a susceptividade do ser humano à paixão, à idolatria e ao fanatismo é absolutamente execrável. Infelizmente, a sociedade contemporânea é basicamente fundamentada por este tipo de exploração; uma minúscula minoria explorando uma imensa maioria, usando e abusando de todos os artifícios e estratégias possíveis para manter e perpetuar o status quo.
Resumindo, para não fugir do tema central: A verdadeira razão pela qual a grande maioria das pessoas torce para um determinado time em favor do outro é porque foi condicionado a fazê-lo durante a infância, pelos pais, familiares ou outras figuras que possam ter servido de modelo e exemplo durante o mesmo período.
O problema é que este mesmo sistema não se faz presente na vida das pessoas somente quando o assunto é futebol; Antes fosse. Outras variáveis fundamentais na vida, como religião, hábitos alimentícios, preferências artísticas, posicionamento político, profissão e a maioria das outras coisas que supostamente formam o caráter da individualidade, não são realmente frutos legítimos do autêntico exercício da liberdade de escolha individual, e sim de manifestações da genética agindo em prol da preservação e perpetuação da espécie.
Somos geneticamente programados para copiar o comportamento dos nossos pais, ou de quaisquer figuras modelo que assumam papel de educador principal na infância. De maneira bastante simplificada, as coisas funcionam assim:
Lá na pré-história, se um indivíduo conseguia chegar a ter idade suficiente não só para ser pai mas de educar uma criança, é porque provavelmente estava fazendo alguma coisa certa. Qualquer figura que chegasse a ter idade suficiente para exercer o papel de educador podia ser considerada um exemplo a ser seguido. Assim surgiu a figura do ancião sábio, que é parte central em todas as tribos nativas espalhadas pelo mundo afora. Pois bem; As crianças que nasciam com características genéticas que as tornavam propensas a imitar o comportamento dos pais, ou de figura educadora de papel similar, tinham mais chances de sobreviver e passar sua genética pra frente, e foi exatamente isso que aconteceu. A mensagem que dizia "se prestar atenção nos mais velhos e copiar o seu comportamento você viverá mais" tornou-se parte do nosso código genético, através da seleção natural. Essa manifestação comportamental da genética é essencial para a perpetuação da espécie, porém, é uma faca de dois gumes. A criança imita o adulto sem nenhum critério de julgamento, ou seja, imita tudo que é bom e ruim.
Onde é que fica o futebol nisso tudo? Bom, ele fica na parte em que eu digo que a maior parte das suas escolhas não são suas, inclusive o seu time de futebol preferido, o que faz com que o seu comportamento como torcedor seja, além de irracional, ilegítimo e bobo. Junto com um monte de coisas bacanas que você copiou dos seus pais na infância, você copiou um monte de idiotices também.
A boa notícia é que (segura essa): -Você cresceu! Como eu disse no primeiro parágrafo, chega uma hora que cada um de nós tem que parar e fazer uma faxina bem feita na mente e aí sim escolher o que vale a pena reter ou não. Como começar essa faxina? Bom, isso até uma criança sabe: É só começar a perguntar os porquês, ou seja, os motivos que suportam suas ideias, convicções e características que supostamente fazem você ser você. A partir daí, o negócio é tentar ser imparcial na hora de julgar se as respostas para cada determinada pergunta são coerentes e convincentes o suficiente, para finalmente exercer o poder de escolha, como indivíduo livre, sobre o que vale a pena ser retido ou descartado.
Aonde é que iremos chegar como espécie se continuarmos a perpetuá-la somente através da repetição, sem questionar, sem mudar? Chegaremos exatamente onde já estamos e provavelmente não muito além disso; em uma sociedade repleta de contradições e conflitos, onde as maravilhas da alta-tecnologia convivem lado a lado com práticas religiosas da era de bronze e do panem et circenses da Roma antiga.
O fato de eu dar tanta importância a uma coisa tão banal como o fanatismo futebolístico pode até parecer besteira, mas não é. O ato de torcer fanaticamente por um time de futebol é apenas um sintoma, uma manifestação de uma doença gravíssima que aflige a sociedade há milênios, que é a doença da repetição, da perpetuação de padrões comportamentais ilógicos e irracionais, que passam de pai pra filho e de filho pra neto, geração após geração, amparados pelos pretextos da tradição, dos costumes e dos parâmetros imbecis que definem o que é ser normal.
Como dizia Andre Linoge, "o inferno é a repetição". Quanto antes conseguirmos nos livrar disso tudo, melhor.